
Se cada cidade tem uma alma, para mim a alma de Buenos Aires está em seus cafés e livrarias. Em especial em alguns cafés que possuem livrarias (ou pequenas bibliotecas) e livrarias que possuem uma área para se degustar um bom café. Ou vice-verso.
Claro, a capital portenha tem ótimos museus, parques, restaurantes…mas aquilo que a difere, é a quantidade e importância destes dois estabelecimentos. E isso dá pra provar, inclusive, com números, ainda que nosso maior interesse esteja nas letras.
Buenos Aires tem quase setecentas livrarias, praticamente o dobro da cidade de São Paulo, com cerca de trezentos estabelecimentos dedicados à venda de livros. Paris, talvez a cidade mais literária do mundo, tem aproximadamente 1.100. Tóquio, a primeira no ranking, algo em torno de 1.500.
Buenos Aires é também a cidade com mais livrarias per capita do mundo. São 22,6 livrarias para cada 100 mil habitantes. Paris, com 9,4, fica bem atrás. Nova York possui 10,4 e São Paulo, com uma população quatro vezes maior que a de Buenos Aires, amarga o índice de 3,5.
Acrescento o fato de a maioria dessas livrarias todas terem duas características invejáveis – são livrarias de rua (e não de Shoppings) e são livrarias de livreiros, ou seja: você é atendido muitas vezes pelo proprietário ou por alguém conhece o que oferece.
Eu poderia sugerir dezenas de livrarias, mas vou ficar, por enquanto, com as três que mais aprecio, justamente por possuírem cafés e uma atmosfera deliciosa.

Clásica e Moderna: fundada em 1938, une um espírito jovem (dos atuais proprietários) e a experiência dos grandes livreiros. Tem um café simpático e serve refeições. Além disso, oferece shows semanais, com nomes da música argentina em suas mais amplas vertentes. Fica na Avenida Callao, 892, La Recoleta.
Eterna Cadencia: é outro exemplo de livraria e editora que mantém a tradição de livreiros apaixonados pela arte editorial. Realiza com frequência encontros literários, lançamentos de livros e possui um ambiente externo que é perfeito para conversar, ler, deixar o tempo passar.
Libros del Pasaje: serve refeições e tem deliciosas opções para vegetarianos. Nas estantes, prioriza a literatura argentina, artes e humanidades, e recebe esse nome porque está bem defronte a un pasaje, que é como os argentinos chamam as ruelas.
Obs.: Você pode incluir a Librería El Ateneo Grand Splendid, presente no post da semana passada. Embora eu prefira as menores, essa precisa estar no roteiro de qualquer amante dos livros.

Os números também atestam a grandiosidade de Buenos Aires no que diz respeito a cafés. A capital argentina possui uma lista de mais de setenta “Cafés Notables”, uma seleção oficial de bares, cafés e confeitarias de grande importância para a cidade, que se espalham pelo centro e por diversos bairros. Muitos são do final do século xix, muito bem preservados, e outros tantos surgiram até meados do século xx, mantendo características originais, alguns deles declarados Patrimônio Cultural pela Dirección General de Patrimonio, Museos y Casco Histórico de Buenos Aires.
A grande maioria, de alguma forma, está ligada à literatura ou à trajetória de escritores argentinos como Cortázar, Borges, Sabato. Ou, pelo menos, ao hábito (delicioso e bem portenho) de pedir um café e ficar horas à mesa, divagando, lendo o jornal. No nosso caso, pode ser um livro.
Eu poderia sugerir dezenas de cafés, mas vou falar de três que são extremamente encantadores e que possuem pequenas bibliotecas ou uma forte relação com a literatura.

Café La Poesía: Foi aberto por um importante poeta e editor argentino, Rubén Derlis, em 1982, tornando-se durante toda a década de 1980 um refúgio de intelectuais e da boemia do bairro de San Telmo. A veia literária também está clara em suas paredes, cobertas com fotos de mestres como Roberto Arlt, Victoria Ocampo, Leopoldo Marechal, Julio Cortázar e Enrique Molina.
El Federal:Este bar e café iniciou-me num hábito bem portenho: tomar café da manhã fora de casa. Afortunadamente, ele ficava ao lado do apartamento que aluguei durante a produção deste guia e isso me rendeu bons momentos — escolhia uma mesa, dava uma olhada em vários jornais do dia (outro hábito bem portenho) e pedia pão tostado, com café com leite, suco de laranja e geleia (Menu 3).
Rayuela Bar: Fica no número 3.199, Calle Artigas, esquina com a Calle Julio Cortázar (sim, tem uma rua com o nome do escritor). É um local simpático, com flores na janela e nas mesas, cardápio com ótimas opções e boa música ambiente. O Rayuela tem o privilégio de estar ao lado do edifício onde viveu Cortázar e em meio à tranquilidade de quem está longe do Centro e da badalação turística.
Bom…se você quiser conhecer outros cafés e livrarias de Buenos Aires, sugiro que você vá agora à página de pré-venda do meu novo guia literário, Buenos Aires, livro aberto – a capital argentina nas pegadas de Borges, Cortázar e cia. É só clicar aqui.

Quando você recebe-lo, vai se deliciar com um ensaio fotográfico especialíssimo chamado Café com letras (que dá título ao post), com 15 imagens me preto e branco dos cafés e livrarias que mais charmosos da cidade.
Aliás, a foto da capa é do Café La Perla de Caminito, que fica no bairro La Boca. Mas esse lugar fica para um outro post.